29 December 2009

Próximos Passos

Como procurei demonstrar ao longo de todos esses textos, o processo de negociação climática é complexo, lento e poucas vezes previsível. Diferentemente do que a maior parte da mídia brasileira noticiou a COP-15 produziu avanços. Tímidos avanços é verdade. Só o fato de todo o processo não ter sido brutalmente interrompido, como passou perto de acontecer, já é uma boa notícia.

Uma análise equilibrada e responsável exige refletir sobre o que então avançou e o que ainda precisa avançar.

Os avanços são:

  • Participação das Nações: foi inédito o fato de mais de 130 líderes de países participarem da reunião. Isso mostra a importância do tema na comunidade global. Mesmo com essa participação maciça, foi um grupo de 30 países que correspondem a quase totalidade das emissões de gases de efeito estufa que construíram o “Acordo de Copenhague”. Isso mostra algo de alternativo na maneira de tratar o tema, tirando da ONU a responsabilidade completa de buscar uma solução. Ainda é cedo para saber os efeitos dessa nova arquitetura.
  • A posição dos EUA: Obama não foi além do que era esperado, mas definitivamente cumpriu o que prometeu. As pessoas se esquecem que ainda no ano passado tínhamos George W. Bush no comando da Casa Branca e que ele não só se recusava a discutir o tema como muitas vezes negava a própria existência das mudanças climáticas. Obama, assumiu o pais durante a maior crise econômica das últimas décadas e ainda assim levou para Copenhague metas de redução de acordo com que está em debate no Congresso daquele país. Essas metas (17% de redução em relação a 2005) são tímidas no curto prazo, mas se seguidas de outras mais arrojadas, como há tempos se anuncia, ficam próximas do que é esperado para os EUA. Por último, diferentemente de Bill Clinton, a administração de Obama sabe que um comprometimento maior em Copenhague sem o aval do seu congresso seria algo vazio. Ele segue o script, e isso já é fundamental. Bem vindos.
  • A China: Apesar de ter se recusado e até trabalhado para barrar a decisão de incluir uma diminuição das emissões globais em 50% para 2050, esse gigante Asiático cedeu num ponto muito importante para o avanço das negociações. Trata-se da “verificação” das suas ações de redução de emissões. A fórmula usada foi “provisões para consulta e análise internacionais sob regras claramente definidas que garantem o respeito a soberania nacional”. Esse texto técnico ajudou na aceitação do acordo por parte do regime fechado e pouco transparente que é o chinês.
  • As Florestas: Como não podia ser diferente, evitar o desmatamento e conservar as florestas tropicais faz agora parte do conjunto de soluções para mitigar as emissões de gases de efeito estufa. O mecanismo de REDD+ aparece em 3 dos 12 parágrafos do “Acordo de Copenhague”. Parágrafos 6, 8 e 10. Além disso, enfatiza a necessidade de recursos para iniciar já em 2010. Existe já em operação, e serão fortemente alavancados a partir do início do próximo ano, inúmeros instrumentos dentro e fora da Convenção: UN-REDD, Forest Carbon Partnership Facility, Forum for REDD Readiness, Informal Working Group on Interim Financing for REDD+. Além dos mercados voluntários ao receberem um claro sinal do “Acordo de Copenhague” que explicita o “o uso de instrumentos de mercado para alcançar o menor custo e alocação efetiva para a promoção das ações de mitigação (Parágrafo 7).
  • Mecanismos financeiros: entre 2012 e 2020 os países desenvolvidos se comprometeram a alocar US$ 100 bi ao ano nos países em desenvolvimento, principalmente os mais necessitados. Para os próximos dois anos existe provisão de US$ 30 bi. Foi criado o “Copenhagen Green Climate Fund” que passa a ser a entidade operacional do mecanismo financeiro da Convenção (Parágrafo 10).
O que falta avançar e concluir:

  • Metas de redução: o primeiro parágrafo do “Acordo de Copenhague” explicita o objetivo máximo da convenção em estabilizar a concentração dos gases de efeito estufa para que a temperatura média do planeta não aumenta em nível superior a 2°C. No entanto o tamanho de redução que o mundo precisa atingir não aparece no texto, e nem como será a distribuição entre desenvolvido, em desenvolvimento e emergentes. Existe uma tabela anexa ao final do documento que deverá ser preenchida pelos países do Anexo 1 até 31 de Janeiro de 2010. Lá os países devem colocar sua meta de redução para 2020 e o ano base de referencia. Para os países que não fazem parte do anexo 1, também existe uma tabela para a indicação das ações de redução de emissão. No início de Fevereiro de 2010 ficará mais claro qual é o verdadeiro valor do “Acordo de Copenhague”.
  • Estabelecer ano de pico: para que as emissões iniciem uma trajetória de queda elas precisam atingir um pico, um ponto de inflexão. O segundo parágrafo do documento menciona que esse pico deve ser atingido o quanto antes, e que será antes ainda para os países desenvolvidos. Falta decidir quando exatamente atingiremos esse pico e deve ser antes de 2020!

Existe uma chance real do acordo de Copenhague ser transformado num acordo “legalmente vinculante” em 2010 no México. Se isso acontecer Copenhague será lembrada como símbolo de um grande sucesso.

No caso específico do Brasil temos uma agenda extensa a ser implementada em 2010. Ao realizar os pontos abaixo, indicados pelo Tasso Azevedo, o Brasil estará liderando e a aproveitando as oportunidades que surgirão do modelo de desenvolvimento de baixo carbono:

1. Operação do Acordo de Copenhague – em Janeiro o Brasil deve subscrever o Acordo de Copenhague, uma vez que ele não ficou como decisão da COP e portanto precisa ser subscrito individualmente pelos países interessados. Em seguida outras ações devem ser colacadas em curso:
· Registro da meta voluntária de redução de emissões e as ações relacionadas (NAMAS) (31/01/10)
· Articulação para que seja colocada em prática o Copenhagen Green Climate Fund e de mecanismos para sua imediata implementação especialmente para financiar atividades de REDD+

2. Consolidar a posição brasileira apresentada no segmento de alto nível em Copenhagen – produzir um documento de posicionamento do Brasil que reflita e avance a posição pró-ativa que o Brasil teve em relação a metas globais de redução de emissões, compromisso dos países emergentes em relação ao controle de emissões, apoio ao financiamento dos países mais necessitados entre outros.

3. Regulamentar e implementar a Lei de Mudanças Climáticas e o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas – a lei prevê uma série de objetivos e instrumentos para implementação de uma política de mitigação de emissões e adaptação as mudanças climáticas. Esses instrumentos precisam ser colocados em funcionamento e é essencial organizar o mecanismo de governança para implementá-los. É preciso estabelecer quem será o guardião das metas de redução de emissões assim como o Banco Central o faz para as metas de inflação por exemplo.

4. Criar sistema regulatório e organizador para aplicação de incentivos para REDD no Brasil – existem diversas iniciativas, além do Fundo Amazônia, para implementar iniciativas de REDD no Brasil. Como o sistema deverá ter contabilidade nacional – ou seja a prova de redução de emissões deve acontecer em escala nacional – é fundamental o estabelecimento de um sistema nacional que faça a interface entre os resultados nacionais de redução de emissões de desmatamento e a distribuição de benefícios (ex. créditos de carbono ou recursos financeiros ) aos diversos atores envolvidos com a gestão e conservação de floresta no Brasil.

5. Implementar os Planos de Combate ao Desmatamento em todos os biomas brasileiros e respectivos sistemas de controlo (ex. PRODES/DETER).

6. Colocar no centro do debate eleitoral de 2010 uma discussão sobre as propostas para um Plano Nacional de Desenvolvimento de Baixo Carbono – assim garantiremos o compromisso de todos os candidatos com a agenda de desenvolvimento sustentável.

21 December 2009

O Acordo.

Quando a ideia de desenvolver esses relatos foi concebida, alguns meses antes de vir a Copenhague, o titulo “O Acordo” estava relacionado à expectativa maior de ter de fato um acordo. No entanto, o “Acordo de Copenhague”, apesar do nome, não foi de fato um acordo. Pelo menos não da maneira como estamos acostumados.

Apesar disso, houve sim avanço.

A plenária final da COP não estava muito cheia na noite final e decisiva da Conferência. É claro que todos as Nações estavam representadas, sendo que a grande maioria por seus negociadores e embaixadores. Pelo que pude notar, somente as Maldivas e a Dinamarca contaram com seus respectivos presidente e primeiro-ministro. No caso da Dinamarca, por ser o país sede, seu primeiro-ministro era também o presidente daquela plenária.

Quando a sessão foi aberta pelo primeiro-ministro, por volta da 1h30 da manhã, ele tentou colocar o texto do “Acordo de Copenhague” em discussão por uma hora. Esperava ingenuamente que durante esse tempo os países debatessem e acordassem sobre o documento.

De todos os 192 países que estavam ali na Assembléia, somente uns 30 conheciam o texto e já haviam passado algum tempo, por meio de seus presidentes, negociando-o. Desse grupo, que ficou referido como “friends of the chair”, o Brasil obviamente fez parte.

Justamente a não participação nesse grupo foi o argumento utilizado pelos países que madrugada adentro não quiseram o consenso. E, pelas regras das Nações Unidas (ONU), sem consenso não tem acordo.

Foram sete os países que não aceitaram uma decisão da COP-15 sobre o “Acordo de Copenhague”. Abaixo seus principais argumentos:


  1. Tuvalu (conjunto de ilhas do pacífico próxima a Nova Zelândia localizado entre o Havaí e a Austrália): “não venderemos o futuro do nosso povo”. Lembrando que essa Nações Ilhas são as mais ameaçadas devido ao aumento do nível do mar.
  2. Venezuela: disse a negociadora, com a mão sangrando de tanto bater na mesa pedindo palavra e ordenando que a sessão não fosse interrompida, “Isso é um golpe de Estado contra a Carta das Nações Unida. Como é que um grupo de 30 pode se dizer representante de todo o resto? Sabemos bem seus interesses”.
  3. Nicarágua: “o processo não foi aberto, transparente e legítimo”.
  4. Bolívia: “como é possível decidir em uma hora um documento que só agora nos chega em mãos?”.
  5. Equador: foi contra, mas não se manifestou.
  6. Cuba: “Lamento profundamente como o processo foi conduzido. Esse pedaço de papel não contém uma só palavra de compromisso por parte dos países desenvolvidos”.
  7. Sudão (república autoritária e genocida localizada no Nordeste da África): “Esse documento é um tratado suicida e se compara ao Holocausto”.
Olhando para cada argumento de forma independenete, (com exceção da repugnante fala do representante do Sudão), os países acima têm e tiveram sua razão. Agora, quando se para para analisar o grupo latino americano “bolivariano”, liderado pela Venezuela, é possível perceber que estavam usando o palco da Conferência do Clima para a divulgação de ideologias próprias. Algo muito irresponsável diante da magnitude do problema.

Essas falas e outras tantas duraram a noite toda.

Quando já era por volta das 8h30 da manhã, o primeiro-ministro, que desde o início conduzia terrivelmente a plenária, solicitou um “intervalo” a pedido principalmente da Inglaterra. Naquele momento, com tantas acusações verbais acumuladas, cansaço e confusão, cheguei a crer que não seria feito qualquer tipo de acordo, o que significaria a interrupção abrupta desse processo maior de negociação que começou em 1992.

Essa interrupção para “consulta” durou pelo menos outras três horas, durante as quais circulei por entre os países, pelos grupinhos, e também dormi entre duas fileiras de cadeiras vazias no fundo do grande salão.

Acordei com o martelinho que reabria a sessão, dessa vez batido por um senhor de Bahamas que, para satisfação de todos que ali estavam, era agora o presidente da sessão no lugar do primeiro-ministo Dinarmaquês.

Ele rapidamente leu o primeiro parágrafo daquele mesmo documento que havia primeiramente sido compartilhado no começo da sessão. A diferença é que agora o primeiro e principal parágrafo não era uma decisão e sim “... a Conferência das partes toma nota do "Acordo de Copenhague’”.

Tomar nota, nesse caso, é uma maneira muito fraca de comprometimento. Mas, ao menos, é algum tipo de comprometimento. É como se tivessem empurrado com a barriga para o próximo, ou próximos anos. Uma COP-16 já está agendada para o fim de 2010 na Cidade do México. Talvez antes disso, exista até mesmo um encontro intermediário em Bonn, na Alemanha, por volta de junho.

Ao contrário do que a maior parte da mídia brasileira que cobriu essa Conferência anunciou em suas manchetes publicadas e televisionadas antes mesmo do fim da plenária, Copenhague não foi um fracasso. Não foi mesmo.

É verdade que um momento político como o que vivenciamos em 2009, nacionalmente e internacionalmente, dificilmente se repetirá no curto prazo.

Mas é assim mesmo, afinal, como procurei mostrar ao longo desses relatos, muito do que estava sob negociação diz respeito a situações e cenários para 2050, ou seja, quatro décadas a partir de hoje.

O importante de verdade é que o processo não foi interrompido, ou ainda pior, finalizado sem qualquer solução acordada. Pelo contrário, ele agora conta com a presença do ator mais importante, os EUA. Lembrem dos anos Bush, em que ele sequer se deu ao trabalho de atender a qualquer Conferência em oito anos de mandato.

A China, mesmo com seu imobilismo estatal e desconfiança, soube ceder em pontos que até pouco tempo parecia bastante improvável. Já nosso país, representado por uma delegação de 700 pessoas, sem dúvida desempenhou o papel que lhe cabe: aparar as arestas entre ricos e pobres com bastante dignidade.

20 December 2009

Bônus | Lula e Obama na COP-15

O Vídeo com trecho do discurso de Barack Obama, presidente dos EUA, pode ser acessado no link abaixo:

http://www.guardian.co.uk/environment/video/2009/dec/18/obama-arrives-copenhagen-climate-conference

Abaixo, está o vídeo com trecho do discurso de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil:



18 December 2009

As Negociações.

Entender a dinâmica das negociações aqui em Copenhague exige experiência. Para quem não a tem, um pouco de preparo físico e intelectual ajuda, mas não basta. A experiência é fundamental até para saber em que sala as negociações mais importantes estão sendo realizadas.

Desde da COP-13, que aconteceu em Bali, existe um documento chave que deve ser finalizado aqui na COP-15. Apelidado de “Mapa de Bali” é uma espécie de substituto de Kyoto. Na verdade, falar em substituição já é uma enorme polêmica, porque os países desenvolvidos que, em sua maioria, não cumpriram com suas obrigações de Kyoto buscam enterrá-lo para passar a ter novas “obrigações”.

Para lapidar e eventualmente concluir os passos sugeridos no “mapa de Bali” existem dois grupos de trabalho. O primeiro é chamado por AWG-KP, por conta de seu significado em Inglês (Ad Hoc Working Group on Further Commitments for Annex 1 Parties under the Kyoto Protocol), trabalha nos compromissos dos países desenvolvidos para o período 2012-2020. O segundo é o AWG-LCA (Ad Hoc Group on Long-term Cooperative Action under the Convention), que envolve mais uma visão de longo prazo e tem uma participação ativa de todas as nações.

Dentro desses grandes grupos formam-se outros menores para tratar de assuntos específicos como financiamento, REDD, transferência tecnológica, entre outros. Esses grupos, idealmente com um representante de cada pais, apesar de na maioria das vezes não ser o caso, passam horas negociando palavra por palavra, linha por linha, parágrafo por parágrafo, num processo exaustivo e muitas vezes sem lógica alguma. Quando não chegam até um consenso sobre um tema específico, usam [colchetes] em torno das indefinições. Nessa reta final de Convenção, inicia-se um exercício fenomenal de retirar os colchetes dos textos. Aqueles que não têm soluções, ficam à espera das soluções a serem definidas pelo “segmento de alto nível” que tem a participação dos presidentes.



Além disso, durante essas duas últimas semanas, foi notado algo bastante estranho: o “sumiço” de textos que estavam em negociação e o “aparecimento” de outros que nunca haviam sido debatidos e tendenciosos explicitamente aos interesses dos países desenvolvidos. Na primeira vez que isso aconteceu, no início da semana passada, causou a fúria dos países africanos. Na segunda vez, ontem, causou a renúncia da própria presidente da COP, a ministra dinamarquesa de Mudanças Climáticas, Connie Hedegaard.

Escrevo essas linhas durante o último dia de conferência e algo notável é a pequena quantidade de pessoas pelos inúmeros corredores. Isso porque nesses últimos dias, devido às diversas manifestações e protestos, apenas 300 membros de ONGs, dos mais de 20 mil registrados, foram autorizados a entrar. A indignação desses representantes da sociedade civil é expressada em cartazes pregados ao longo dos corredores.



Os negociadores e delegações de cada país foram até o limíte onde podiam ceder ou avançar. Nesse exato momento, os textos com ou sem colchetes já chegaram entre os presidentes dos países para uma última negociação e eventual acordo.

Estão todos aqui: Lula, Obama, Sarkozi, Hugo Chávez, Ângela Merkel, Mahmoud Ahmadinejad, etc. A todos foi dado um tempo de três minutos para discurso, que nunca é cumprido. Todos falam da necessidade de sair do discurso e ir para a prática, mas ainda é cedo para saber se estão de fato comprometidos com o que falam, ou se vamos precisar de uma nova geração de líderes à altura desse desafio.



Nosso presidente, que aqui claramente assumiu a liderança entre os países em desenvolvimento e emergentes, foi muito aplaudido ao enfatizar que “A mudança do clima é um dos problemas mais graves que enfrenta a humanidade. Controlar o aquecimento global é fundamental para proteger o meio ambiente, permitir o crescimento econômico e superar a exclusão social”. Ainda segundo ele, “não é politicamente racional ou moralmente justificável que países ricos coloquem interesses corporativos e setoriais acima do bem comum da humanidade”.

Ele está mais do que certo. Agora é aguardar para ver se sua mensagem será internalizada pelos outros líderes nacionais.

16 December 2009

O papel da Amazônia.

As florestas tropicais, entre as quais a Amazônia é a maior e mais importante, são personagens principais na discussão climática. Isso porque elas estocam em sua biomassa quantidades incríveis de carbono (C).

Imaginem um experimento no qual pegamos um quadrado de floresta amazônica de 100 metros de lado. Isso é exatamente 1 hectare. Agora imaginem que cortamos todas essas árvores, arbustos, cipós e plantas e os deixamos secando ao sol sobre uma enorme balança. Depois que toda a água fosse evaporada teríamos perdido metade do peso que o ponteiro inicialmente indicava. Dessa massa seca que ainda resta, metade é carbono.

Conservadoramente falando, temos em média 100 toneladas de carbono em cada hectare de floresta tropical. Como esse peso está diretamente relacionado à biomassa, em alguma regiões essa quantidade pode ser até três vezes maior. Acontece que quando as florestas são queimadas esse carbono que estava armazenado se libera, e cada átomo de C se mistura a outros dois de oxigênio (O) formando gás carbônico, o CO2. Nesse processo, ganha-se mais massa numa proporção de 1 para 3,6. Conclusão: ao desmatar e queimar 1 hectare de floresta tropical, temos uma emissão aproximada de 360 toneladas de CO2 para a atmosfera.

Isso explica porque as taxas de desmatamento na Amazônia brasileira nas três últimas décadas nos coloca como quarto país de maior emissão de gases de efeito estufa do mundo. Entre 1996 e 2005, desmatamos em média 2 milhões de hectares ao ano. Apesar dessa média ter caído drasticamente nos últimos cinco anos para 700 mil hectares em 2009, ainda há muito o que fazer para se chegar a zero.

No começo de dezembro, um grupo de cientistas brasileiros e estrangeiros publicou um artigo na revista Science*, no qual estimaram um investimento necessário entre 7 e 18 bilhões de dólares para zerar o desmatamento na Amazônia até 2020.

É claro que o desmatamento não acontece somente no Brasil. Portanto, quando somamos tudo o que é desmatado anualmente no mundo, a quantidade dessas emissões fica em volta de 15% do total. Em 2005, a Coalizão dos Países Florestais propôs um mecanismo de compensação e incentivos financeiros para redução das emissões causadas por desmatamento dentro da Convenção de Mudanças Climáticas das Nações Unidas.

Esse mecanismo, chamado de REDD, é um dos possíveis grandes trunfos da conferência que se realiza aqui em Copenhague. O texto que está atualmente sob negociação ainda tem pontos que estão longe de consenso devido à diferença de condições institucionais, cobertura florestal e capacidade de monitoramento de cada país.

Os temas mais importantes e ainda sem decisão são**:

1)Metas de redução de desmatamento: a questão é que se deixe um texto frouxo ou um com indicações objetivas de redução global de desmatamento. Por exemplo, zerá-lo até 2030.


Tasso Azevedo - Status da Negociação from Brasil Clima on Vimeo.


2)Como será o financiamento: os países em desenvolvimento querem menção de números que serão alocados, na ordem de 20 bilhões de Euros, e é claro que os desenvolvidos querem evitar.


Tasso Azevedo - Financiamento de REDD from Brasil Clima on Vimeo.


3)Salvaguardas: por exemplo, respeito aos direitos tradicionais e não conversão de florestas naturais em não naturais.


Tasso Azevedo - As Salvaguardas para REDD from Brasil e Clima on Vimeo.


4)Como será o monitoramento: muitos países, diferentemente do Brasil com o INPE, não têm qualquer condição de monitorar suas ações e taxas de desmatamento. E muitos, principalmente China, têm muita dificuldade em aceitar monitoramento externo.


Tasso Azevedo - Monitoramento em REDD from Brasil e Clima on Vimeo.


5)Sistema Nacional VS. Sistema Subnacional: essa é uma discussão bastante técnica que grosseiramente diferencia se as atividades de redução de desmatamento serão implementadas nacionalmente, subnacionalmente ou com as duas modalidades em cada país.


Tasso Azevedo - Sistema Nacional nas Discussões em REDD from Brasil e Clima on Vimeo.



Tasso Azevedo - Sistema Nacional vs. Sistema Subnacional em REDD from Brasil e Clima on Vimeo.


A Amazônia e todas a florestas tropicais do mundo não são apenas importantes para o equilíbrio climático explicado acima, mas a fortaleza da maior parte da biodiversidade encontrada no planeta. Além disso, são moradia para milhões de pessoas de que delas dependem à sua sobrevivência, e são verdadeiras fábricas de chuva, fundamentais para agricultura e geração de energia, principalmente no Brasil.

É fundamental que saia daqui de Copenhague um acordo sobre REDD. A partir dele, teremos uma verdadeira mudança de paradigma na forma como relacionamos floresta e desenvolvimento. E o Brasil só tem a ganhar com isso.

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Observações:
* The end of deforestation in the Brazilian Amazon (04/12/09)
** Como pôde ver, para cada um dos temas de negociações, disponibilizei vídeos de aproximadamente um minuto com explicações do Tasso Azevedo, consultor especial do Ministério do Meio Ambiente sobre mudanças climáticas, durante uma reunião realizada ontem (15/12) pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.

14 December 2009

As vantagens do Brasil.

Em 2016, sediaremos os Jogos Olímpicos. Essa oportunidade que nos foi dada pelo mundo é fruto dos avanços institucionais, econômicos e sociais que alcançamos nas duas últimas décadas. No entanto, essa não é a primeira vez em nossa história recente que sediaremos algo de tamanha importância.

Em 1992, também no Rio de Janeiro, o Brasil foi palco da reunião mais importante dessa geração, e possivelmente das próximas também. Foi durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, ou simplesmente ECO-92, que se iniciou a Convenção de Mudanças Climáticas, agora em seu décimo quinto encontro, e outras de igual importância, mas de menor apelo político, como a Convenção sobre Diversidade Biológica.

Esse potencial avassalador de nosso país frente a esses temas ainda precisa ser incorporado econômica e politicamente por nossas lideranças. Não apenas para aparecer nos holofotes mundiais em busca de um reconhecimento momentâneo, mas com propostas sérias para que nossa megadiversidade, nossa riqueza em fontes de água e vento, e a grandeza de nossas florestas tropicais passem a valer como verdadeiro peso político e econômico nesse mundo multipolarizado que se configura no século 21.

Essas vantagens comparativas devem virar vantagens competitivas. Elas ficam evidentes nas negociações do clima aqui em Copenhague:

a)Temos emissão per capita baixíssima comparada a qualquer país quando não contabilizamos emissões de desmatamento.
b)Nossa maior fonte de emissão vem do desmatamento da Amazônia, que por sua vez vem caindo significativamente nos últimos anos. Provando que a maior parte das nossas emissões definitivamente não está associada a desenvolvimento.
c)Temos o maior potencial de energias renováveis, como água e vento.
d)Somos lideres em bicombustíveis (cana-de-açúcar) que tem potencial de aumentar ainda em pelo menos 4 vezes sem a necessidade de derrubar uma única árvore e sem qualquer ameaçar a nossa produção de alimentos.
e)Estabilizamos nosso crescimento populacional três décadas antes das previsões mais otimistas.

Colocar essas vantagens na mesa exige coragem política e diplomática. Principalmente porque pode ir contra interesses de países emergentes e/ou importantes parceiros comerciais.

Como disse Tasso Azevedo, um dos visionários desse modelo de desenvolvimento para o país, em entrevista publicada pela National Geographic (outubro/2009), “Se o país não tomar uma posição proativa agora, e anunciar que também vai entrar na rota de redução de emissões, não teremos argumentos para fazer com que a modernização na indústria brasileira seja estimulada, incentivada, subsidiada para transformá-la a tempo em um setor de baixa emissão, e a ponto de torná-la competitiva”.

A meta de redução por volta de 40% em 2020, em relação ao que estaríamos emitindo se nada fosse feito, seguida da meta de redução em 80% do desmatamento na Amazônia, é um importante sinal. Mas é preciso que a mobilização comece já! Que ela saia dos discursos e entre nas pautas econômicas. O entusiasmo das Olimpíadas pode ser compartilhado com esse desafio que é na verdade muito mais relevante.

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A presença de diferentes lideranças políticas brasileiras em Copenhague comprova a importância da COP-15. Nos vídeos abaixo você poderá ver trechos da participação de José Serra, governador do Estado de São Paulo, e de Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente. Outros vídeos com diferentes lideranças serão postados nos próximos relatos.


José Serra from Brasil e o Clima on Vimeo.



Marina Silva from Brasil e o Clima on Vimeo.

12 December 2009

O que está na mesa?

Para dividir justamente a responsabilidade de estabilizar a concentração dos gases de efeito estufa num nível considerado seguro é preciso considerar tanto quem os acumulou até aqui quanto quem acumula e quem acumulará. É uma questão de estoque acumulado e fluxo previsto.

Como as emissões de gás carbônico (CO2) e outros gases sempre estiveram, e ainda estão, intrinsecamente associada ao desenvolvimento de cada país, é simples fazer a distinção entre os que sentam ao redor dessa grande mesa de negociação.

Grosseiramente podemos dividi-los entre os países desenvolvidos e países em desenvolvimento. O primeiro grupo é mais homogênio: são todos ricos e ocidentais, com exceção do Japão que é rico e oriental. A confusão está em classificar para essa negociação todo o resto como “em desenvolvimento”, já que temos desde a China, terceira maior economia mundo, a Tuvalu, ilha da Polinésia que irá literalmente afundar com o aumento do nível do mar.

É claro que existem grandes grupos de negociação que fogem dessa classificação grosseira, entre eles: G77/China (do qual o Brasil faz parte), Grupo Africano (mais vulnerável às mudanças do clima), União Européia (que em geral negocia em bloco), Aliança dos Países Ilhas (preocupada com o aumento do nível do mar) e os Países Menos Desenvolvidos (em geral africanos, com emissões praticamente insignificantes). Mas, na prática, temos um jogo de poder perigoso e que se limita a ricos versus pobres.

Essa divisão errônea foi a base do Protocolo de Kyoto, que pela primeira vez definiu metas de redução de emissão somente para os ricos. Por isso que, na época, os Estados Unidos, maior emissor total e per capita, não o ratificou. O resto do mundo rico acabou não levando o protocolo muito a sério, a ponto de agora defender o seu fim e um novo começo, para fúria dos “em desenvolvimento”.

Aqui em Copenhague está na mesa:
1. Quanto os países desenvolvidos pretendem reduzir suas emissões?
2. Quanto os maiores países em desenvolvimento pretendem reduzir suas emissões?
3. De onde virá o suporte tecnológico e financeiro para as Nações mais pobres também reduzirem suas emissões?
4. Como esses recursos serão geridos?

Ao também transferir responsabilidade para os grandes emissores “em desenvolvimento”, principalmente China, Rússia, Brasil, Índia e Indonésia, a chance de termos um acordo seguido de reduções, na prática, é muito maior. E é assim que está sendo feito, com metas de mudança de trajetória e responsabilidades comuns.

Sendo assim, o desafio é $$$. Quem paga, quem recebe e quem gere o dinheiro necessário para começar as transformações. No primeiro dia, os EUA foram claros: não haverá um centavo deles indo para a China.

Já os realmente pobres, além de dinheiro, precisam de transferência tecnológica. E isso significa “propriedade intelectual”, assunto delicadíssimo em qualquer negociação, seja bilateral ou multilateral.

Se as negociações no final limitarem-se apenas a dinheiro, ouso dizer que fica um pouco mais simples. Como exemplo, o que aconteceu no ano passado durante a crise internacional. Afetou a todos e todos rapidamente buscaram soluções. O mesmo é possível aqui com o clima.

09 December 2009

Contextualização.

Prestes a completar a primeira década do século 21, o mundo se encontra para acertar como resolverá e como se adaptará às mudanças do clima. Esse encontro entre as nações do nosso planeta que acontece em Copenhague é carregado de enorme simbolismo e responsabilidade. É a primeira vez que temos um desafio realmente global, uma vez que as alterações climáticas não respeitam fronteiras e os gases de efeito estufa se misturam uniformemente na atmosfera independente de onde foram emitidos.

Após vinte anos de debates acalorados, a ciência já demonstrou que somos nós, seres humanos, os responsáveis pelo acúmulo desses gases na atmosfera. Agora é a vez da política, no bom sentido da palavra, orquestrar as ações necessárias e os incentivos apropriados para estabilizar esse acúmulo e evitar consequências catastróficas para a vida como a conhecemos.

Sopa de números

Os gases de efeito estufa, sendo o carbono (CO2) o mais importante, pois representa 80% do total emitido, são medidos pela sua concentração no total da atmosfera. Essa medição é feita em partes por milhão (ppm). No momento, o número aproximado é 390. Se é pouco ou muito, depende do ritmo em que essa concentração vem aumentando. As medições mais antigas, feitas em camadas de gelo, datam de uns 600 mil anos atrás e apresentam um número aproximado de 280 ppm. Era um valor semelhante ao que existia há duzentos anos, quando se iniciou a revolução industrial, permitida graças à queima dos combustíveis fósseis, principalmente o carvão mineral e posteriormente o petróleo. Ou seja, em pouco mais de 200 anos aumentamos a concentração desses gases em 110 ppm, e o ritmo atual é de 2 ppm por ano e crescente.

Desse encontro mundial, a COP-15, espera-se um compromisso de limitar essa concentração em 450 ppm. Esse é um número estimado para que não haja um aumento médio na temperatura superior a 2°C.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, conhecido pela sigla em Inglês IPCC, e que é composto por milhares de cientistas dos mais diversos países, é muito claro sobre o nosso dever enquanto sociedade global de limitar as emissões a não mais que 1,8 mil gigatons de toneladas de CO2 (1,8 mil GtCO2e). Isso significa que temos para os próximos 100 anos um orçamento anual de 18 GtCO2e. Hoje o mundo emite em torno de 50 GtCO2e anualmente.

Sair desses 50 para 18, e eventualmente a zero, tem que ser feito internamente por cada país, mesmo que possuam contextos geográficos, diferenças culturais, níveis de tecnologia e padrões de desenvolvimento bastante distintos entre si. Daí a importância das metas de redução, obrigatórias e voluntárias, como moeda de troca entre esses países durante a Conferência.

A magnitude desse problema requer:
a) mudanças na maneira como geramos energia e nos transportamos;
b) repensar e reordenar a forma como usamos o solo e produzimos alimentos;
c) aperfeiçoar a maneira como transformamos os bens e como os consumimos;
d) conservar a totalidade das florestas tropicais que ainda resta.

Isso é muita coisa. Exigirá um nível de cooperação entre os países que não foi necessária em nenhum outro momento da nossa história. Por isso esse encontro é tão simbólico.

07 December 2009

O Brasil e o Clima.

Car@s leitores(as)

Meu nome é Plínio Ribeiro e gostaria de convidá-los a receber, refletir, participar e compartilhar dos relatos que farei e que pretendem contextualizar e descrever a 15ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (a COP-15).

Esses relatos têm o propósito de contribuir para que o Brasil lidere as negociações, apresente soluções e se beneficie das oportunidades que surgirão de um novo modelo de desenvolvimento de baixo carbono.

Serão 7 relatos que serão enviados ao longo das próximas duas semanas:

1. Contextualização.
2. O que está na mesa?
3. As vantagens do Brasil.
4. O papel da Amazônia.
5. As negociações.
6. O acordo.
7. Próximos Passos.

Depois de enviado, eles poderão ser acessados a qualquer momento aqui neste blog.

Obrigado,

Plínio Ribeiro