13 December 2010

Cancun 2010

A cidade que sedia a Conferência do Clima naquele ano leva a fama do seu resultado. Qual é a fama de Cancun depois de mais de duas semanas de intensas negociações entre os países sobre as mudanças climáticas?

A resposta tem duas partes. A primeira diz respeito sobre o atual processo político para tratar do tema: o multilateralismo. A outra parte se relaciona com os resultados de fato obtidos sobre o compromisso dos países em reduzir suas emissões, financiar estratégias de desenvolvimento de baixo carbono, e adaptar-se às mudanças já em curso impostas por um clima em mutação.

Depois do que acabou por se considerar o “fiasco de Copenhague” no ano passado, diplomatas e negociadores do mundo todo chegaram aqui em Cancun mais preocupados em salvar o próprio pescoço do que o clima. E nisso foram bem sucedidos. Um dos poucos pontos que ficou claro logo após a última plenária foi que o processo multilateral de negociações climáticas, onde todos têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas, é ainda a forma mais apropriada de tratar desse tema tão complexo. Daí é inevitável perguntar: até quando?

Na prática, ganharam mais um ano para continuar desenhando uma estrutura de cooperação, incentivos, obrigações e regulação que visa estabilizar a temperatura do planeta num patamar considerado seguro para a nossa própria existência como espécie. Cancun serviu como a penúltima etapa de um processo que deve acabar no ano que vem em Durban, na África do Sul.

A partir dos documentos finais dessa conferência é possível dizer que se estreitaram as grandes diferenças entre países desenvolvidos, em desenvolvimento e emergentes (aqui incluo Brasil, China e Índia).

Na seção de visão comum, reconheceram a necessidade de diminuir as emissões dos gases de efeito estufa até o patamar em que não aumente a temperatura média do planeta em mais de 2°C.

No entanto, a quantidade de redução de emissão de cada país para 2050 não foi definida. Na penúltima versão do texto acordado existia a possibilidade de redução da ordem de 50% em 2050 em relação às emissões de 1990, sendo que para os países desenvolvidos poderia chegar a até 95%.

2050 pode até parecer muito distante, mas é fundamental que sirva como Norte. A decisão por exemplo entre construir um termelétrica movida a carvão mineral ou um parque de energia eólica considera as regulações atualmente em desenvolvimento. Se não há desincentivo para a termelétrica, ou pior, a manutenção dos atuais subsídios, ela acaba sendo construída. Uma vez no sistema, não há mais o que se possa fazer.

Mas antes da curva de emissões começar a cair, ela precisa parar de subir. O tal pico de emissões, derivada igual a zero, não foi estabelecido. Existia a possibilidade de acontecer em 2015, Ficou para “o quanto antes”. Outra elegante saída diplomática, mas que não resolve o problema.

Para 2020, período muito mais curto de tempo e que o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) indica como o necessário uma redução da ordem de 25% a 40% para a redução das emissões dos países desenvolvidos, também não mostraram os números. Fala-se no reconhecimento das ações de mitigação para os ricos e pobres, mas numero e meta que é bom nada.

Uma das grandes polêmicas em Cancun foi a renovação do Protocolo de Kyoto, que vence em 2012 e é o único instrumento concreto que trás metas de redução para os países ricos. O Japão insistiu até o último minuto em não renovar o protocolo alegando que ele não faz sentido sem a presença da China e EUA. Recuou para evitar um vexame e a renovação do protocolo também ficou para ser decidida no ano que vem. Vitória diplomática, derrota climática.

A inclusão da conservação das florestas tropicais, evitando as emissões oriundas do desmatamento, pode ter sido o resultado mais importante que saiu de Cancun. O mecanismo conhecido por REDD+ ganhou status oficial na Convenção e serve como uma clara sinalização para investimentos na área. Isso é especialmente relevante para o Brasil, uma vez que mais de 50% de sua emissão vem do desmatamento, principalmente na Amazônia.

Quem e como pagam a conta? Os US$ 30 bilhões de recurso imediato que já haviam sido prometidos pelos países ricos em Copenhague para o período 2010-2012 continuam na mesa, apesar das críticas de que um ano já se passou e a maior parte do dinheiro ninguém viu. Para o período 2012-2020, mantiveram a promessa também feita no ano passado de levantar e investir em ações de mitigação e adaptação US$ 100 bilhões por ano até 2020. Os recursos virão de fontes públicas e privadas, bilaterais e multilaterais, incluindo fontes alternativas. Nada mais é detalhado.

Por último, dois novos mecanismos foram criados: 1)O Fundo Verde do Clima, que terá um conselho de 24 membros, com igualdade de representação de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ele será a entidade operacional de financiamento da convenção e interinamente funcionará dentro do Banco Mundial. 2) Um mecanismo de transferência de tecnologia, tema caro aos países em desenvolvimento. A partir desse mecanismo, espera-se acelerar a difusão e os escalonamento de tecnologias que permitam um desenvolvimento de baixo carbono.

Já se passaram quase duas décadas desde que essas negociações iniciaram. Duas coisas são certas: as emissões durante todo esse período nunca foram tão altas e tampouco deixaram de acelerar. A ciência já não pode ser mais clara quanto aos efeitos desastrosos do modelo de desenvolvimento que temos em curso.

Cancun não foi suficiente para nos tirar dessa rota de impacto. A fama desse balneário mexicano, postado nas águas turquesas do Caribe, será realmente definida no ano que vem em outra cidade litorânea, Durban na África do Sul. Somente com um compromisso real de metas de redução, acordadas dentro de um mecanismo legalmente vinculante e com a participação de todos os principais países emissores, incluindo principalmente EUA, China, Brasil e Índia, é que Cancun será lembrada no futuro como a cidade que salvou não só o multilateralismo, mas a vida no planeta como a conhecemos. A contagem regressiva já começou. Se não concluirmos essa negociação em Dezembro de 2011, que ao menos não percamos mais tempo com a ONU e encontremos outras maneiras de resolver o problema.