27 December 2012

Mais um encontro protocolar

A conferência dos países ocorrida em Doha recentemente para tratar da mitigação e adaptação às mudanças climáticas foi uma reunião burocrática, onde diplomatas sem mandato para decisões e posicionamentos relevantes ao clima apenas acertaram as regras de negociação para os próximos três anos, quando espera-se um novo acordo global.

Os esvaziamento desse grande encontro anual é em parte explicado pela impaciência de muitos atores em relação ao processo da ONU para tratar de um assunto tão fundamental. A lentidão em que as decisões são tomadas começa a espantar quem de fato está disposto a fazer algo: desenvolver tecnologias de energia renovável, mudar padrões de consumo ou investir em conservação de florestas.
Daqui pra frente a lógica será diferente, ao invés de esperar por decisões da Convenção para começar a agir; governos nacionais, cidades, empreendedores, empresas e organizações locais vão fazer o que acham e o que podem para mitigar suas emissões.
O problema disso é que esforços independentes podem não ser suficientes e a falta de coordenação entre eles pode gerar ineficiências e gastos desnecessários. Mas como poderia ser diferente se o protocolo da Convenção é claro: negocia-se os termos para um acordo do tamanho que o problema exige até 2015, com seus compromissos valendo somente a partir de 2020.
Do ponto de vista de uma negociação multilateral, só o fato de não se andar pra trás já é considerado uma vitória. Em Doha a celebração se deu pelo acordo em estender o protocolo de Kyoto até 2020. Mesmo que os países que ainda fazem parte desse Kyoto estendido sejam responsáveis por menos de 15% das emissões globais, sua renovação é um bom sinal político e ainda mantém vivo alguns instrumentos, como por exemplo o mercado de carbono.
Num encontro de modestas expectativas, os mais otimistas esperavam um posicionamento mais incisivo por parte dos EUA depois que o re-eleito Obama disse em seu discurso de vitória que “queremos que nossas crianças vivam numa América que não seja ameaçada pelos poderes destrutivos do aquecimento global”.
Mas o comportamento do principal responsável por emissões históricas em nada foi diferente do passado. Continuam alegando que a política interna é um entrave, e, pelo menos internacionalmente, não fazem muito além do que faziam na era Bush. Foram inclusive contra qualquer menção do documento o futuro que queremos da Rio+20 alegando "razões jurídicas". Essa semana, a chefe do EPA Lisa Jackson, uma espécie de ministra do meio ambiente americana, se demitiu do cargo alegando baixa prioridade ao tema no país e muita pressão por parte da indústria do carvão.
Já o Brasil continuou em papel de protagonismo, facilitando as negociações entre ricos e pobres e habilmente alinhando-se a interesses de uns e de outros de acordo com seus próprios interesses. Nossos diplomatas e representantes do governo federal, surfando a onda da redução recorde do desmatamento da Amazônia (principal fonte de emissão brasileira), estavam com moral sobrando e obviamente souberam tirar proveito.
O problema é que frente às reais políticas de crescimento adotadas aqui internamente, como o exacerbado foco no pré-sal em detrimento ao renovável etanol e o estímulo à indústria automobilística com as infinitas reduções de IPI, nossa atitude lá fora começa a ficar com jeito de máscara de Carnaval. Sim o desmatamento caiu e isso é uma grande notícia, mas qualquer pessoa que circula lá no Norte do país sabe que a degradação de nossas florestas continua a todo vapor alimentando a indústria madeira ilegal que não para de crescer. Ou o governo realmente começa a adotar políticas de incentivo à transição para um desenvolvimento sustentável, ou nossos colegas diplomatas serão desmascarados antes mesmo da quarta-feira de cinzas.
O documento final em si não serve de muita coisa. Os países admitem logo no início que “notam” com grave preocupação a diferença entre o quanto até agora se dispõe a reduzir de emissões, e o quanto seria necessário de acordo com a ciência para mantermos minimamente os padrões de vida no planeta.
As oportunidades e os modelos de desenvolvimento de baixo carbono já não podem mais ser procuradas apenas na convenção do clima, na verdade depois de Doha, é possível que o oposto aconteça, os países é que vão olhar para dentro em busca do que levar para as negociações internacionais.