A conferência dos países ocorrida em Doha
recentemente para tratar da mitigação e adaptação às mudanças climáticas foi
uma reunião burocrática, onde diplomatas sem mandato para decisões e posicionamentos
relevantes ao clima apenas acertaram as regras de negociação para os próximos
três anos, quando espera-se um novo acordo global.
Os esvaziamento desse grande encontro
anual é em parte explicado pela impaciência de muitos atores em relação ao
processo da ONU para tratar de um assunto tão fundamental. A lentidão em que as
decisões são tomadas começa a espantar quem de fato está disposto a fazer algo:
desenvolver tecnologias de energia renovável, mudar padrões de consumo ou
investir em conservação de florestas.
Daqui pra frente a lógica será diferente,
ao invés de esperar por decisões da Convenção para começar a agir; governos
nacionais, cidades, empreendedores, empresas e organizações locais vão fazer o
que acham e o que podem para mitigar suas emissões.
O problema disso é que esforços
independentes podem não ser suficientes e a falta de coordenação entre eles
pode gerar ineficiências e gastos desnecessários. Mas como poderia ser
diferente se o protocolo da Convenção é claro: negocia-se os termos para um
acordo do tamanho que o problema exige até 2015, com seus compromissos valendo
somente a partir de 2020.
Do ponto de vista de uma negociação
multilateral, só o fato de não se andar pra trás já é considerado uma vitória.
Em Doha a celebração se deu pelo acordo em estender o protocolo de Kyoto até
2020. Mesmo que os países que ainda fazem parte desse Kyoto estendido sejam
responsáveis por menos de 15% das emissões globais, sua renovação é um bom
sinal político e ainda mantém vivo alguns instrumentos, como por exemplo o
mercado de carbono.
Num encontro de modestas expectativas, os
mais otimistas esperavam um posicionamento mais incisivo por parte dos EUA
depois que o re-eleito Obama disse em seu discurso de vitória que “queremos que nossas crianças vivam numa
América que não seja ameaçada pelos poderes destrutivos do aquecimento global”.
Mas o comportamento do principal
responsável por emissões históricas em nada foi diferente do passado. Continuam
alegando que a política interna é um entrave, e, pelo menos internacionalmente,
não fazem muito além do que faziam na era Bush. Foram inclusive contra qualquer
menção do documento o futuro que queremos da Rio+20 alegando "razões jurídicas". Essa
semana, a chefe do EPA Lisa Jackson, uma espécie de ministra do meio ambiente
americana, se demitiu do cargo alegando baixa prioridade ao tema no país e
muita pressão por parte da indústria do carvão.
Já o Brasil continuou em papel de
protagonismo, facilitando as negociações entre ricos e pobres e habilmente
alinhando-se a interesses de uns e de outros de acordo com seus próprios
interesses. Nossos diplomatas e representantes do governo federal, surfando a
onda da redução recorde do desmatamento da Amazônia (principal fonte de emissão brasileira), estavam com moral sobrando e obviamente
souberam tirar proveito.
O problema é que frente às reais políticas
de crescimento adotadas aqui internamente, como o exacerbado foco no pré-sal em
detrimento ao renovável etanol e o estímulo à indústria automobilística com as
infinitas reduções de IPI, nossa atitude lá fora começa a ficar com jeito de
máscara de Carnaval. Sim o desmatamento caiu e isso é uma grande notícia, mas
qualquer pessoa que circula lá no Norte do país sabe que a degradação de nossas
florestas continua a todo vapor alimentando a indústria madeira ilegal que não
para de crescer. Ou o governo realmente começa a adotar políticas de incentivo
à transição para um desenvolvimento sustentável, ou nossos colegas diplomatas
serão desmascarados antes mesmo da quarta-feira de cinzas.
O documento final em si não serve de muita
coisa. Os países admitem logo no início que “notam” com grave preocupação a
diferença entre o quanto até agora se dispõe a reduzir de emissões, e o quanto
seria necessário de acordo com a ciência para mantermos minimamente os padrões
de vida no planeta.
As oportunidades e os
modelos de desenvolvimento de baixo carbono já não podem mais ser procuradas
apenas na convenção do clima, na verdade depois de Doha, é possível que o
oposto aconteça, os países é que vão olhar para dentro em busca do que levar
para as negociações internacionais.