Num país que constrói sua capital com ares
de século vinte e um por cima de um grande e infértil deserto tudo parece
possível. Com dinheiro abundante dada as grandes reservas de petróleo, mão de
obra importada de todas os cantos do mundo, e água dessalinizada, o Qatar
recebe em sua capital Doha os países do mundo em mais um capítulo da busca de
um acordo climático que permita a estabilização e a adaptação às mudanças
climáticas: a COP18.
O título desse texto de alguma maneira
expressa o que está em jogo esse ano aqui em Doha: o que é possível em termos
de compromissos e ações dos países em relação às reduções de suas emissões de
gases de efeito estufa (GEE) e o que a ciência, e cada vez mais a simples observância
dos eventos climáticos extremos, nos diz como necessário para evitar um aumento
médio da temperatura do planeta acima de 2°C.
No ano passado em Durban, pela primeira vez, acordaram iniciar um processo que se levará a um
regime climático no qual todos os países terão responsabilidades, e não apenas
os aqui classificados como países desenvolvidos ou os países do anexo 1 do
Protocolo de Kyoto. Acertou-se em criar as bases para negociações com o prazo
final em 2015, e que tal acordo esteja em operação a partir de 2020, a chamada
plataforma de Durban que leva a sigla ADP. Logo a conferência do clima esse ano
tem um papel extremamente burocrático, sem grandes decisões a serem tomadas e
consideravelmente esvaziada em relação a outros anos.
2020 não é amanhã.
O senso de urgência que falta por aqui é
contrastante com o que vem ocorrendo na realidade. De um lado os eventos
extremos estão cada vez mais frequentes e intensos. Basta abrir os jornais com
atenção. Hoje mesmo enquanto escrevo esse texto o número de mortos nas
Filipinas causados por um tufão já passa de 300. Alguns céticos ainda dizem que
isso sempre aconteceu. Sim, é verdade, mas nunca tão frequentemente e com tal
intensidade. A cobertura de gelo no mar Ártico no verão desse ano foi a menor
em toda a história, o que permitiu um aumento da navegação em mais de 100% em
relação ao ano anterior. Diminuem-se os custos de transportes de combustíveis
fósseis, aumenta-se a sua viabilidade econômica, outra contradição das mudanças
climáticas.
A meta de ficar abaixo de 2°C acordada em
Durban exige que os países façam esforços de redução numa magnitude nunca antes
conseguida. De forma simplificada o mundo emite hoje em torno de 50GtCO2e
(cinquenta bilhões de toneladas de dióxido de carbono). Um aumento de 30% em
relação as emissões de 1990. Para alcançar o objetivo, em 2020 as emissões deveriam estar em torno de
44GtCO2e. Ou seja, em algum momento nos próximos 8 anos deve haver um pico de
emissões e a partir daí uma redução anual constante e sustentada. O problema é
que na trajetória atual, mesmo considerando que todos os compromissos até agora
assumidos sejam cumpridos, deveremos chegar em 2020 emitindo 58GtCO2.
Enquanto isso aqui na mais burocrática de
todas as conferências climáticas que já participei, o secretário geral da ONU
Ban Ki Moon abriu o segmento ministerial listando os cinco pontos principais
que precisam ser acordados:
- Renovação do protocolo de Kyoto: mesmo só restando a Europa dentro do protocolo esse é ainda o único acordo climático global existente. As instituições criadas e os aspectos contábeis e legais existentes devem continuar e servir de base para o futuro regime.
- Progresso no financiamento de longo prazo: os países desenvolvidos precisam dar sinais claros de que o financiamento a parir de fontes públicas e privadas alcançará a meta de 100 bilhões de dólares ao ano em 2020.
- Garantir que o Fundo Verde e o Centro de Tecnologia Climática, instituições de financiamento de dispersão de tecnologia climática acordadas em 2010, estejam equipados e em funcionamento.
- Que os governos demonstrem sem ambiguidade que estão comprometidos em ter um novo regime climático aprovado em 2015.
- Que os governos mostrem como vão cobrir a diferença entre as emissões esperadas para 2020 e o que seria necessário para manter a temperatura abaixo dos 2°C, ou seja, como vão cobrir a diferença que mostrei acima entre 58 e 44 GtCO2e.
Paradoxalmente o Qatar constrói um futuro
de fontes renováveis de energia a partir de financiamento vindo do petróleo. No
ritmo em que transformam o deserto em modernidade, talvez não seja impossível
que eles de fato deem conta do recado.
No caso do clima, a distância entre o que é necessário e o que está
sendo feito e acordado entre os países nunca foi tão grande.
Daqui a três dias, quando se encerra a
COP18, estará mais claro o quanto teremos caminhado para diminuir essa
distância.