07 December 2011

O dia das Florestas no ano das Florestas

Coincidência ou não, este texto foi escrito no mesmo dia em que nosso código florestal foi votado aí no Senado Federal do Brasil. É um pouco alentador perceber que houve muito debate em torno de um assunto tão importante como esse. Basta lembrar que praticamente metade do nosso território é coberto por florestas tropicais. Infelizmente, um debate altamente polarizado entre pseudos ruralistas e ambientalistas. Independentemente do resultado, é possível prever um novo código ainda muito longe de expressar todo o nosso potencial florestal, incomparável no mundo.

Esse é também o ano internacional das Florestas, uma grande campanha da ONU para mobilizar diversos atores sobre a importância das florestas no mundo para quatro objetivos bastante claros: 1. Reverter o desmatamento, 2. Promover Benefícios socioeconômicos a partir das florestas, 3. Aumentar a quantidade de florestas manejadas, 4. Mobilizar recursos financeiros.

Todos esses nobres objetivos estão presentes nas negociações do Clima, aqui na CoP17, por meio da sigla REDD+, ou redução das emissões do desmatamento e degradação florestal. No fim das contas, trata-se de um mecanismo financeiro global para financiar atividades de conservação florestal, ou atribuir valor econômico às florestas a partir do carbono armazenado nesses ecossistemas.

Valorar uma floresta a partir do carbono apenas, apesar de toda a sua biodiversidade, água, e regulação climáticas, para citar apenas alguns benefícios providos, pode parecer pouco, mas é a única possibilidade concreta hoje na mesa.

Ignorado no Protocolo de Kyoto, o REDD+ foi oficialmente incluído na Convenção do Clima a partir de Cancun, no ano passado. Já era tarde, afinal cerca 12% a 20% das emissões anualmente vêm de desmatamentos dessas florestas. No Brasil isso representa mais da metade de nossas emissões.

Tal importância pode ser medida a partir do chamado “Dia da Floresta”, evento realizado pela quinta vez na Convenção entre a primeira e a segunda semana de negociações. Esse ano, a ênfase do evento foi na implementação de fato e no campo, ou melhor, nas florestas, do REDD+. Afinal, faz no mínimo cinco anos que o tema é discutido e muito pouco foi feito na prática. Alguns fatores explicam a falta de exemplos práticos desse mecanismo, que é capaz de traduzir em resultados a redução e o fim do desmatamento, e que pode ser comprovado por documentos, artigos científicos, e legislações mundo afora. Destaco dois:

1. Onde está o mercado?
“Precisamos de uma demanda consistente e robusta por créditos florestais. Se tivesse uma mensagem clara de um mercado ainda que em 2020, nós colocaríamos dinheiro amanhã”, afirmou um representante da empresa japonesa Marubeni. A questão é que essa demanda é altamente dependente de regulações nacionais e internacionais. As transações desses créditos crescem num ritmo superior a 30% ao ano, mas ainda trata-se de um mercado voluntário. Enquanto o mercado regulado de carbono movimentou algo em torno de US$140 bi no ano passado, o mercado voluntário, movimentou apenas US$ 1 bi, e os créditos florestais representarão pelo menos 20%. Uma decisão concreta aqui em Durban, que dê um sinal verde para o mercado atuar, pode rapidamente tornar as florestas tropicais muito mais valiosas do que são hoje.
2. Temos mesmo florestas em abundância?
Com tanta área florestal, citando apenas a Amazônia como exemplo, são praticamente inexistentes áreas privadas florestadas com boa titulação. Historicamente, quem desmatou (legal ou ilegalmente) comprovou posse e hoje dispõe de segurança fundiária. Já quem conservou, enfrenta enormes dificuldades de comprovar a propriedade da floresta. O REDD+, entre outros benefícios, deve funcionar como indutor de regularização fundiária e orgãos fundiários devem estar equipados para isso. As legislações estaduais de REDD+ e mesmo a federal, ainda em gestação, devem necessariamente abordar essa questão, prevendo programas específicos para regularização fundiária de áreas florestais, além de criar espaço para Parcerias Público Privadas (PPPs), buscando um nova escala de investimentos em conservação. É uma mudança de mentalidade, quase cultural. Na ausência de tal mudança não há como atrair investimentos em larga escala para conservação e gestão de nossas florestas.

A relação entre florestas, agricultura e segurança alimentar também têm atraído enorme atenção nas discussões por aqui. É uma relação extremamente complexa, mas principalmente mal entendida. Por um lado é a expansão da fronteira agrícola e pecuária, que abandona áreas menos produtivas e avança sobre as florestas, a maior causa do desmatamento. Por outro, e novamente no caso brasileiro, são as florestas amazônicas a partir de uma função chamada de evapotranspiração que forma mais da metade das chuvas que caem no Centro Oeste do país. Não é difícil imaginar o que aconteceria com o celeiro do país sem essa água formada pelas florestas.

Aqui na África do Sul a ministra da agricultura é também a ministra do meio ambiente.

Outra coincidência é que esse texto foi escrito no dia em que o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) anunciou a menor taxa de desmatamento nos últimos 24 anos. Um boa explicação foi dada por Paulo Barreto, pesquisador do Imazon. Segundo ele, desde 2007, a correlação entre os preços do gado e da soja e com as taxas de desmatamento se atenuou. Quando um subia o outro subia também. Felizmente esse quadro parece que de fato mudou. Três razões parecem explicar:

  • Embargo das áreas que foram desmatadas ilegalmente, aumentando o risco de novos desmatamentos.
  • Maior comando e controle por parte do governo. Inclusive com o uso da Polícia Federal.
  • Estancamento do crédito financeiro rural para produtores que não comprovam regularidade ambiental em suas propriedades.

Mesmo assim, ainda desmatamos esse ano mais de 600,000 ha. E esse desmatamento começa a predominar em áreas de pequenos proprietários, em geral assentamentos.

Chegamos talvez ao limite da eficiência de ações como essas. Daqui para frente, se quisermos manter essa bem sucedida trajetória de queda do desmatamento, e eventualmente zerá-lo, precisaremos de muitos incentivos econômicos e o REDD+ é hoje o principal. Isso está ao alcance dos governos, expressado não só nas negociações que acontecem por aqui, mas principalmente nas decisões internas no nível dos estados e da federação.

Numa audiência pública que participei no Senado há algumas semanas, justamente sobre instrumentos econômicos para o Código Florestal, o economista Carlos Young, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comparou a nossa decisão de Nação de se desenvolver mantendo todas as nossas florestas em pé com a decisão que enfrentamos no final do séc. XIX para abolir a escravatura. É uma comparação bastante apropriada.

Joaquim Nabuco não imaginava que a população de escravos libertados acabaria por formar uma massa consumidora, abriria caminho para as imigrações, e por fim possibilitaria nossa industrialização.

O que temos hoje é uma oportunidade de tal magnitude. Ao dominarmos o modelo de desenvolvimento que produz alimentos e energia em quantidade suficiente, inclusive para exportação, e conserva nossas florestas, não só nos beneficiaremos de todos os serviços ambientais que elas nos geram, mas tal capacidade será também essencial para o desenvolvimento de uma agricultura em mais de 400 milhões de hectares, somente na savana subsaariana da África. O Brasil, com todas as pesquisas da Embrapa no Cerrado, com a relação cultural histórica e com a diplomacia formalmente estabelecida nos últimos anos, pode ser o maior propulsor de desenvolvimento de uma agricultura tropical no continente africano. De efeito, ainda podemos influenciar na conservação das florestas tropicais da bacia do Congo. Essa é a visão que deveria nos guiar, principalmente numa convenção como essa do Clima.