15 December 2011

Durban: quantitativamente medíocre, politicamente significativo

Nem uma semana se passou desde o fim da última reunião da ONU sobre as mudanças climáticas em Durban, e as reportagens e matérias a respeito do tema sumiram das páginas dos jornais. A grande imprensa, repetindo o “press release” oficial da Convenção, anunciou uma resposta significativa da comunidade internacional para o futuro das mudanças climáticas. Será?

A frase que dá título a esse texto foi emprestada do livro “Copenhague: antes e depois”, do cientista político e colunista Sérgio Abranches. Para descrever o sistema de decisões da ONU o autor citou o seguinte paradoxo proposto pela revista Nature ainda em 2008:

“O problema com a ação sobre mudança climática é que programas politicamente plausíveis têm tendência a ser muito pequenos para o tamanho do desafio, enquanto planos cujo escopo está à altura do desafio tendem a ser politicamente implausíveis”
Em Durban, esse paradoxo ficou evidente.

Politicamente significativo

A grande novidade, comemorada e exaltada pelos exaustos negociadores no fim da conferência, é que pela primeira vez alguns países em desenvolvimento, na verdade os emergentes China, Brasil e Índia aceitaram fazer parte de um acordo global de redução de emissões, rompendo a divisão entre ricos e pobres sobre as responsabilidades das ações de mitigação dos gases de efeito estufa. Antes, esses países não tinham qualquer responsabilidade argumentando que tinham o direito de se desenvolverem seguindo a mesma trajetória dos países desenvolvidos, ou seja, num modelo de desenvolvimento pautado pela indústria fóssil, um modelo de alto carbono.

Os EUA também se eximiam de qualquer responsabilidade, argumentando que não fazia sentido um acordo sem a China à bordo. Disputa de gente grande: juntos representam 43% das emissões globais.

Nomeado de “Plataforma de Durban”, o novo plano parte do princípio de que as mudanças climáticas representam uma ameaça urgente e potencialmente irreversível para a sociedade e o planeta, e que requer ações urgentes de todas as partes. O problema é que mais uma vez temos um acordo em concordar e sem nenhuma garantia dos termos e condições desse futuro acordo. O plano é o seguinte: os países vão negociar os termos até 2015 para daí adotar um compromisso com “força legal” a ser implementado a partir de 2020. Até lá, valem os compromissos voluntários e admitidamente insuficientes para nos colocar na rota segura de aumento da temperatura média do planeta em até 2ºC.

A condição para que os países em desenvolvimento fizessem parte desse novo acordo era a renovação do segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto, até então o único instrumento legal que trás metas de redução aos países desenvolvidos. Sem a continuidade de Japão, Rússia e Canadá, o acordo foi renovado e agora cobre somente os países da União Europeia. Isso significa somente 14% das emissões planetárias. Resta agora a dúvida em relação ao seu prazo de validade, 2017 ou 2020?

O terceiro ponto que sustenta a noção de sucesso de Durban foi a definição dos mecanismos de funcionamento do chamado Fundo Verde para o Clima. Trata-se de um mecanismo financeiro que visa distribuir 100 bilhões de dólares ao ano, a partir de 2020, para as economias em desenvolvimento financiarem suas ações de mitigação de gases de efeito estufa. O problema é que acordaram como o fundo vai funcionar, mas ninguém arrisca dizer como a conta será dividida e nem como se dará a participação do setor privado. 100 bilhões de dólares a princípio parece ser um dinheirama, mas é no mínimo cinco vezes menor do que o total de subsídios governamentais alocados à indústria fóssil todos anos, e os tais 100 bi só estarão disponíveis a partir de 2020. Uma luta inglória para o clima.


Quantitativamente medíocre

O número mágico dessas negociações e que de alguma maneira foi acordado entre todas as partes é o número 2. Dois graus Celsius é o limite de aumento médio aceitável para se evitar catástrofes ambientais que fujam do nosso controle. Todas as negociações sobre as responsabilidades e ações para diminuir as emissões de gases de efeito estufa têm como base o número 2.

Mas para tal os países ainda precisam concordar em outros dois pontos:
  1. Qual será a redução das emissões em 2050 em relação ao ano base de 1990 necessária para não passarmos de 2ºC?
  2. Qual será o ano do pico de emissões, derivada igual a zero, e que a partir dele as emissões globais começarão a diminuir?

Nenhuma das duas metas apareceu nos documentos finais, ou seja, sequer temos um referencial para nortear as ações e responsabilidades dos países. Caminhamos perdidos no escuro.

Como bem colocou, em entrevista ao Blog do Planeta, o consultor do ministério do Meio Ambiente Tasso Azevedo, “as emissões atualmente não apenas continuam crescendo como aceleraram. Considerando todos os compromissos obrigatórios e voluntários de todos os países apresentados até o momento, as emissões em 2020 devem chegar a 55 bilhões de toneladas de carbono por ano. É um aumento de 10 bilhões comparando com as emissões de 2005. Para que tenhamos 25% de chance de não subir a temperatura em mais de 2 graus centígrados – que é o objetivo definido no Acordo de Copenhagen – não devemos emitir mais de 1,8 trilhões de toneladas em todo século, ou seja uma média de 18 bilhões por ano. Acontece que com todos compromissos chegaremos em 2020 tendo emitido mais da metade de tudo que poderíamos emitir em todo século. Por isso, estamos longe, muito longe da trajetória necessária, que nos leve a reduzir as emissões a menos de 10 bilhões de toneladas por ano até 2050”.

Ainda mais sombria é a conclusão da Agência Internacional de Energia, segundo a qual, se nenhuma ação radical for tomada até 2017, a infraestrutura energética atualmente implantada (em grande maioria à base fóssil) emitirá todo o CO2 permitido já em 2035.

Números como esses assustam e provocam inação, inércia. Existem opções práticas ao nosso alcance, mas precisam ser implementadas rapidamente antes que a janela se feche para sempre:
  • Acabar com os subsídios para a indústria fóssil, que podem chegar a $600 bilhões ao ano em 2020, se mantermos a trajetória atual;
  • Aumentar significativamente os subsídios às energias renováveis.
  • Implementar energias renováveis em larga escala;
  • Aumentar a eficiência energética;
  • Incentivar o setor privado a trazer soluções em forma de produtos e tecnologias;
  • Eliminar o desmatamento;
  • Reduzir as emissões de outros gases de efeito estufa, como o metano e HFCs;
  • Mitigar as emissões da aviação e transporte marítimo internacional, hoje fora de qualquer acordo.

Qualquer decisão internacional que adie essas medidas, como o que aconteceu em Durban, é absolutamente irresponsável. Como bem disse a representante da delegação jovem num belo discurso na assembleia geral, representando metade da população do planeta, “no futuro isso será lembrado como o momento decisivo de uma era na qual interesses restritos e egoístas prevaleceram sobre a razão, a ciência e o bem comum”.

Pensar e planejar o mundo que queremos em 2035 ou 2050 não é radical. Metade da população que vive hoje no planeta estará viva e ativa nesses anos.

Se o politicamente plausível não se encontrar rapidamente com o cientificamente necessário, o sucesso diplomático exaltado em Durban será somente o começo de mais a uma década perdida para o nosso clima.