21 December 2009

O Acordo.

Quando a ideia de desenvolver esses relatos foi concebida, alguns meses antes de vir a Copenhague, o titulo “O Acordo” estava relacionado à expectativa maior de ter de fato um acordo. No entanto, o “Acordo de Copenhague”, apesar do nome, não foi de fato um acordo. Pelo menos não da maneira como estamos acostumados.

Apesar disso, houve sim avanço.

A plenária final da COP não estava muito cheia na noite final e decisiva da Conferência. É claro que todos as Nações estavam representadas, sendo que a grande maioria por seus negociadores e embaixadores. Pelo que pude notar, somente as Maldivas e a Dinamarca contaram com seus respectivos presidente e primeiro-ministro. No caso da Dinamarca, por ser o país sede, seu primeiro-ministro era também o presidente daquela plenária.

Quando a sessão foi aberta pelo primeiro-ministro, por volta da 1h30 da manhã, ele tentou colocar o texto do “Acordo de Copenhague” em discussão por uma hora. Esperava ingenuamente que durante esse tempo os países debatessem e acordassem sobre o documento.

De todos os 192 países que estavam ali na Assembléia, somente uns 30 conheciam o texto e já haviam passado algum tempo, por meio de seus presidentes, negociando-o. Desse grupo, que ficou referido como “friends of the chair”, o Brasil obviamente fez parte.

Justamente a não participação nesse grupo foi o argumento utilizado pelos países que madrugada adentro não quiseram o consenso. E, pelas regras das Nações Unidas (ONU), sem consenso não tem acordo.

Foram sete os países que não aceitaram uma decisão da COP-15 sobre o “Acordo de Copenhague”. Abaixo seus principais argumentos:


  1. Tuvalu (conjunto de ilhas do pacífico próxima a Nova Zelândia localizado entre o Havaí e a Austrália): “não venderemos o futuro do nosso povo”. Lembrando que essa Nações Ilhas são as mais ameaçadas devido ao aumento do nível do mar.
  2. Venezuela: disse a negociadora, com a mão sangrando de tanto bater na mesa pedindo palavra e ordenando que a sessão não fosse interrompida, “Isso é um golpe de Estado contra a Carta das Nações Unida. Como é que um grupo de 30 pode se dizer representante de todo o resto? Sabemos bem seus interesses”.
  3. Nicarágua: “o processo não foi aberto, transparente e legítimo”.
  4. Bolívia: “como é possível decidir em uma hora um documento que só agora nos chega em mãos?”.
  5. Equador: foi contra, mas não se manifestou.
  6. Cuba: “Lamento profundamente como o processo foi conduzido. Esse pedaço de papel não contém uma só palavra de compromisso por parte dos países desenvolvidos”.
  7. Sudão (república autoritária e genocida localizada no Nordeste da África): “Esse documento é um tratado suicida e se compara ao Holocausto”.
Olhando para cada argumento de forma independenete, (com exceção da repugnante fala do representante do Sudão), os países acima têm e tiveram sua razão. Agora, quando se para para analisar o grupo latino americano “bolivariano”, liderado pela Venezuela, é possível perceber que estavam usando o palco da Conferência do Clima para a divulgação de ideologias próprias. Algo muito irresponsável diante da magnitude do problema.

Essas falas e outras tantas duraram a noite toda.

Quando já era por volta das 8h30 da manhã, o primeiro-ministro, que desde o início conduzia terrivelmente a plenária, solicitou um “intervalo” a pedido principalmente da Inglaterra. Naquele momento, com tantas acusações verbais acumuladas, cansaço e confusão, cheguei a crer que não seria feito qualquer tipo de acordo, o que significaria a interrupção abrupta desse processo maior de negociação que começou em 1992.

Essa interrupção para “consulta” durou pelo menos outras três horas, durante as quais circulei por entre os países, pelos grupinhos, e também dormi entre duas fileiras de cadeiras vazias no fundo do grande salão.

Acordei com o martelinho que reabria a sessão, dessa vez batido por um senhor de Bahamas que, para satisfação de todos que ali estavam, era agora o presidente da sessão no lugar do primeiro-ministo Dinarmaquês.

Ele rapidamente leu o primeiro parágrafo daquele mesmo documento que havia primeiramente sido compartilhado no começo da sessão. A diferença é que agora o primeiro e principal parágrafo não era uma decisão e sim “... a Conferência das partes toma nota do "Acordo de Copenhague’”.

Tomar nota, nesse caso, é uma maneira muito fraca de comprometimento. Mas, ao menos, é algum tipo de comprometimento. É como se tivessem empurrado com a barriga para o próximo, ou próximos anos. Uma COP-16 já está agendada para o fim de 2010 na Cidade do México. Talvez antes disso, exista até mesmo um encontro intermediário em Bonn, na Alemanha, por volta de junho.

Ao contrário do que a maior parte da mídia brasileira que cobriu essa Conferência anunciou em suas manchetes publicadas e televisionadas antes mesmo do fim da plenária, Copenhague não foi um fracasso. Não foi mesmo.

É verdade que um momento político como o que vivenciamos em 2009, nacionalmente e internacionalmente, dificilmente se repetirá no curto prazo.

Mas é assim mesmo, afinal, como procurei mostrar ao longo desses relatos, muito do que estava sob negociação diz respeito a situações e cenários para 2050, ou seja, quatro décadas a partir de hoje.

O importante de verdade é que o processo não foi interrompido, ou ainda pior, finalizado sem qualquer solução acordada. Pelo contrário, ele agora conta com a presença do ator mais importante, os EUA. Lembrem dos anos Bush, em que ele sequer se deu ao trabalho de atender a qualquer Conferência em oito anos de mandato.

A China, mesmo com seu imobilismo estatal e desconfiança, soube ceder em pontos que até pouco tempo parecia bastante improvável. Já nosso país, representado por uma delegação de 700 pessoas, sem dúvida desempenhou o papel que lhe cabe: aparar as arestas entre ricos e pobres com bastante dignidade.