29 December 2009

Próximos Passos

Como procurei demonstrar ao longo de todos esses textos, o processo de negociação climática é complexo, lento e poucas vezes previsível. Diferentemente do que a maior parte da mídia brasileira noticiou a COP-15 produziu avanços. Tímidos avanços é verdade. Só o fato de todo o processo não ter sido brutalmente interrompido, como passou perto de acontecer, já é uma boa notícia.

Uma análise equilibrada e responsável exige refletir sobre o que então avançou e o que ainda precisa avançar.

Os avanços são:

  • Participação das Nações: foi inédito o fato de mais de 130 líderes de países participarem da reunião. Isso mostra a importância do tema na comunidade global. Mesmo com essa participação maciça, foi um grupo de 30 países que correspondem a quase totalidade das emissões de gases de efeito estufa que construíram o “Acordo de Copenhague”. Isso mostra algo de alternativo na maneira de tratar o tema, tirando da ONU a responsabilidade completa de buscar uma solução. Ainda é cedo para saber os efeitos dessa nova arquitetura.
  • A posição dos EUA: Obama não foi além do que era esperado, mas definitivamente cumpriu o que prometeu. As pessoas se esquecem que ainda no ano passado tínhamos George W. Bush no comando da Casa Branca e que ele não só se recusava a discutir o tema como muitas vezes negava a própria existência das mudanças climáticas. Obama, assumiu o pais durante a maior crise econômica das últimas décadas e ainda assim levou para Copenhague metas de redução de acordo com que está em debate no Congresso daquele país. Essas metas (17% de redução em relação a 2005) são tímidas no curto prazo, mas se seguidas de outras mais arrojadas, como há tempos se anuncia, ficam próximas do que é esperado para os EUA. Por último, diferentemente de Bill Clinton, a administração de Obama sabe que um comprometimento maior em Copenhague sem o aval do seu congresso seria algo vazio. Ele segue o script, e isso já é fundamental. Bem vindos.
  • A China: Apesar de ter se recusado e até trabalhado para barrar a decisão de incluir uma diminuição das emissões globais em 50% para 2050, esse gigante Asiático cedeu num ponto muito importante para o avanço das negociações. Trata-se da “verificação” das suas ações de redução de emissões. A fórmula usada foi “provisões para consulta e análise internacionais sob regras claramente definidas que garantem o respeito a soberania nacional”. Esse texto técnico ajudou na aceitação do acordo por parte do regime fechado e pouco transparente que é o chinês.
  • As Florestas: Como não podia ser diferente, evitar o desmatamento e conservar as florestas tropicais faz agora parte do conjunto de soluções para mitigar as emissões de gases de efeito estufa. O mecanismo de REDD+ aparece em 3 dos 12 parágrafos do “Acordo de Copenhague”. Parágrafos 6, 8 e 10. Além disso, enfatiza a necessidade de recursos para iniciar já em 2010. Existe já em operação, e serão fortemente alavancados a partir do início do próximo ano, inúmeros instrumentos dentro e fora da Convenção: UN-REDD, Forest Carbon Partnership Facility, Forum for REDD Readiness, Informal Working Group on Interim Financing for REDD+. Além dos mercados voluntários ao receberem um claro sinal do “Acordo de Copenhague” que explicita o “o uso de instrumentos de mercado para alcançar o menor custo e alocação efetiva para a promoção das ações de mitigação (Parágrafo 7).
  • Mecanismos financeiros: entre 2012 e 2020 os países desenvolvidos se comprometeram a alocar US$ 100 bi ao ano nos países em desenvolvimento, principalmente os mais necessitados. Para os próximos dois anos existe provisão de US$ 30 bi. Foi criado o “Copenhagen Green Climate Fund” que passa a ser a entidade operacional do mecanismo financeiro da Convenção (Parágrafo 10).
O que falta avançar e concluir:

  • Metas de redução: o primeiro parágrafo do “Acordo de Copenhague” explicita o objetivo máximo da convenção em estabilizar a concentração dos gases de efeito estufa para que a temperatura média do planeta não aumenta em nível superior a 2°C. No entanto o tamanho de redução que o mundo precisa atingir não aparece no texto, e nem como será a distribuição entre desenvolvido, em desenvolvimento e emergentes. Existe uma tabela anexa ao final do documento que deverá ser preenchida pelos países do Anexo 1 até 31 de Janeiro de 2010. Lá os países devem colocar sua meta de redução para 2020 e o ano base de referencia. Para os países que não fazem parte do anexo 1, também existe uma tabela para a indicação das ações de redução de emissão. No início de Fevereiro de 2010 ficará mais claro qual é o verdadeiro valor do “Acordo de Copenhague”.
  • Estabelecer ano de pico: para que as emissões iniciem uma trajetória de queda elas precisam atingir um pico, um ponto de inflexão. O segundo parágrafo do documento menciona que esse pico deve ser atingido o quanto antes, e que será antes ainda para os países desenvolvidos. Falta decidir quando exatamente atingiremos esse pico e deve ser antes de 2020!

Existe uma chance real do acordo de Copenhague ser transformado num acordo “legalmente vinculante” em 2010 no México. Se isso acontecer Copenhague será lembrada como símbolo de um grande sucesso.

No caso específico do Brasil temos uma agenda extensa a ser implementada em 2010. Ao realizar os pontos abaixo, indicados pelo Tasso Azevedo, o Brasil estará liderando e a aproveitando as oportunidades que surgirão do modelo de desenvolvimento de baixo carbono:

1. Operação do Acordo de Copenhague – em Janeiro o Brasil deve subscrever o Acordo de Copenhague, uma vez que ele não ficou como decisão da COP e portanto precisa ser subscrito individualmente pelos países interessados. Em seguida outras ações devem ser colacadas em curso:
· Registro da meta voluntária de redução de emissões e as ações relacionadas (NAMAS) (31/01/10)
· Articulação para que seja colocada em prática o Copenhagen Green Climate Fund e de mecanismos para sua imediata implementação especialmente para financiar atividades de REDD+

2. Consolidar a posição brasileira apresentada no segmento de alto nível em Copenhagen – produzir um documento de posicionamento do Brasil que reflita e avance a posição pró-ativa que o Brasil teve em relação a metas globais de redução de emissões, compromisso dos países emergentes em relação ao controle de emissões, apoio ao financiamento dos países mais necessitados entre outros.

3. Regulamentar e implementar a Lei de Mudanças Climáticas e o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas – a lei prevê uma série de objetivos e instrumentos para implementação de uma política de mitigação de emissões e adaptação as mudanças climáticas. Esses instrumentos precisam ser colocados em funcionamento e é essencial organizar o mecanismo de governança para implementá-los. É preciso estabelecer quem será o guardião das metas de redução de emissões assim como o Banco Central o faz para as metas de inflação por exemplo.

4. Criar sistema regulatório e organizador para aplicação de incentivos para REDD no Brasil – existem diversas iniciativas, além do Fundo Amazônia, para implementar iniciativas de REDD no Brasil. Como o sistema deverá ter contabilidade nacional – ou seja a prova de redução de emissões deve acontecer em escala nacional – é fundamental o estabelecimento de um sistema nacional que faça a interface entre os resultados nacionais de redução de emissões de desmatamento e a distribuição de benefícios (ex. créditos de carbono ou recursos financeiros ) aos diversos atores envolvidos com a gestão e conservação de floresta no Brasil.

5. Implementar os Planos de Combate ao Desmatamento em todos os biomas brasileiros e respectivos sistemas de controlo (ex. PRODES/DETER).

6. Colocar no centro do debate eleitoral de 2010 uma discussão sobre as propostas para um Plano Nacional de Desenvolvimento de Baixo Carbono – assim garantiremos o compromisso de todos os candidatos com a agenda de desenvolvimento sustentável.